quinta-feira, 29 de julho de 2010

Entrevista com a blogueira Yoani Sánchez

Conversações com a blogueira cubana Yoani Sánchez


Entrevista concedida a Salim Lamrani (*)

Publicado no Jornal Rebelión – 15/04/2010

Revisado por Caty R. Revisado por Caty R.

Yoani Sánchez é a nova figura da oposição cubana. Desde a criação do seu blog Geração Y, em 2007, ganhou inúmeros prêmios internacionais: o prêmio Ortega e Gasset de Jornalismo (2008), o prêmio Bitacoras.com (2008), o Bob's Award (2008), o Maria Award Moors Cabot (2008), da prestigiada universidade americana de Colúmbia. Da mesma forma, a blogueira foi selecionada entre as 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time (2008), juntamente com George W. Bush, Hu Jintao e Dalai Lama. Seu blog foi incluído na lista dos 25 blogs top no mundo da CNN e da revista Time (2008). Em 30 de Novembro de 2008, o jornal espanhol El Pais a incluiu entre as 100 mais influentes personalidades latino-americanas do ano (lista em que não aparecem Fidel Castro e Raul Castro). A Revista Foreign Policy, por seu lado, a incluiu entre as 10 mais importantes intelectuais do ano e a revista mexicana Gato Pardo fez o mesmo em 2008.

Esta avalanche impressionante de prêmios tem levantado muitas questões ao mesmo tempo, especialmente porque Yoani Sanchez, conforme ela mesma confessou, é uma total desconhecida no seu próprio país. Como é que uma pessoa desconhecida para os seus vizinhos, como disse a própria blogueira, por si só pode fazer parte da lista das 100 personalidades mais influentes do ano?

Um diplomata ocidental, próximo a esta atípica opositora do governo em Havana, tinha lido uma série de artigos que escrevi sobre Yoani Sánchez e que eram relativamente críticos. Ele mostrou à blogueira cubana e ela quiz conhecer-me para esclarecer alguns pontos que haviam sido abordados.

O encontro com a jovem dissidente, de fama controvertida, não foi realizado em algum apartamento escuro, com janelas fechadas ou em um local isolado e recluso para escapar aos ouvidos curiosos da “polícia política”. Pelo contrário, foi feito no lobby do Hotel Plaza, no centro de Havana Velha, numa tarde ensolerada. O lugar estava lotado, com muitos turistas estrangeiros que perambulavam pelo grande salão do imponente edifício, que abriu suas portas no início do século XX.

Yoani Sánchez mora perto das embaixadas ocidentais. Assim, um simples contato telefônico, ao meio-dia, permitiu definir o encontro para três horas depois. Às 15 horas a blogueira apareceu sorridente, vestindo uma saia longa e uma camiseta azul. Trazia uma jaqueta esportiva por causa da frieza relativa do inverno havaneiro.

A conversa durou cerca de duas horas em torno de uma mesa no bar do hotel, com a presença de seu marido Reinaldo Escobar, que a acompanhou por cerca de vinte minutos antes de deixar o lugar para ir a um outro encontro. Yoani Sanchez foi extremamente cordial e amigável e aparentou uma grande tranquilidade. O tom de voz era seguro e em nenhum momento se mostrou perturbada. Acostumada à mídia ocidental domina relativamente bem a arte da comunicação.

Esta blogueira, personagem de aparência frágil, inteligente e sagaz, está ciente de que, embora lhe custasse admití-lo, a cobertura da mídia do Ocidente não é uma casualidade, mas é devida ao fato de que preconiza a instauração de um "capitalismo sui generis” em Cuba.

O incidente de 6 de novembro de 2009

Salim Lamrani: Comecemos com o incidente que ocorreu em 6 de novembro de 2009 em Havana. Em seu blog você explicou que foi presa com três de seus amigos e por "três desconhecidos corpulentos" durante uma “tarde cheia de golpes, gritos e insultos". Você denunciou as violências que as forças da ordem cubanas cometeram contra você. Confirma sua versão dos fatos?

Yoani Sánchez: Efetivamente confirmo que sofri violência. Eles me seqüestraram por 25 minutos. Recebi golpes. Consegui pegar um papel que um deles tinha no seu bolso e colocá-lo na minha boca. Um deles colocou o joelho no meu peito e outro, do banco da frente, me batia na zona dos rins e dava golpes na minha cabeça para que eu abrisse a boca e soltasse o papel. Por um momento senti que eu nunca sairia daquele carro.

SL: A história em seu blog é realmente assustadora. Cito textualmente: você falou de "golpes e empurrões", de "golpes nas juntas" de "distribuição de golpes”, do “joelho sobre o seu peito”, dos golpes "nos rins e [...] na cabeça, “puxão no cabelo”, de seu “rosto avermelhado pela pressão e pelo corpo dolorido", dos "golpes que continuavam a serem dados e "todas essas contusões". No entanto, quando recebeu a imprensa internacional em 9 de novembro, todas as marcas tinham desaparecido. Como você explica isso?

YS: São profissionais em surras.

SL: Ok, mas porque não tirar fotos das marcas?

YS: Eu tenho as fotos. Tenho provas fotográficas

SL: Você tem provas fotográficas?

YS: Eu tenho provas fotográficas.

SL: Mas, por que não publicou para desmentir todos os boatos segundo os quais você tinha inventado uma agressão para que a imprensa falasse sobre o seu caso?

YS: Eu prefiro guardá-las por enquando e não publicá-las. Eu quero apresentá-las em um tribunal algum dia para que esses três homens sejam julgados. Lembro-me perfeitamente de seus rostos e tenho fotos de dois deles, pelo menos. O terceiro ainda falta identificar, mas como era o chefe será fácil localizá-lo. Tenho também o papel que eu tirei de um deles e que tem minha saliva, pois eu o coloquei na minha boca. Neste papel está escrito o nome de uma mulher.

SL: Certo. Você publica muitas fotos em seu blog. É difícil entender por que desta vez você prefere não mostrar as marcas.

YS: Como eu disse, eu prefiro reservá-las à justiça.

SL: Você entende que com esta atitude você está dando crédito àqueles que pensam que você inventou esta agressão.

YS: A escolha é minha.

SL: No entanto, inclusive os meios de comunicação ocidentais, que lhe são mais favoráveis, tomaram precauções orais pouco habituais para contar sua história. O correspondente da BBC em Havana, Fernando Ravsberg, escreve, por ejemplo, que você "não tem hematomas, marcas ou cicatrizes." A Agência France Press conta a história esclarecendo com muito cuidado que esta é uma versão sua, com o título "Cuba: a blogueira Yoani Sanchez diz que ela foi espancado e detida brevemente”. O jornalista também afirma, por outro lado, que você "não ficou ferida."

YS: Eu não gostaria de avaliar o trabalho deles. Não sou eu quem deve julgá-los. São profissionais que passam por situações muito complicadas que eu não posso avaliar. A verdade é que a presença ou ausência de marcas físicas não é uma evidência do fato.

SL: Mas a presença de manchas mostram que é um ato de violência. Daí a importância de publicar as fotos.

YS: Você precisa entender que eles são profissionais de intimidação. O fato de que três estranhos me levaram para um carro sem apresentar-me nenhum documento me dá o direito de reclamar como se me tivessem quebrado todos os ossos do corpo. As fotos não são importantes porque a ilegalidade está cometida. A precisão de "se me doeu aquí ou se me doeu lá” é minha dor interior.

LS: Sim, mas o problema é que você apresentou-a como uma agressão muito violenta. Você falou de "seqüestro ao pior estilo da camorra siciliana".

YS: Sim, é verdade, mas eu sei que é a minha palavra contra a deles. O fato de entrar nesse tipo de detalhes, de saber se tenho marcas ou não, nos distancia da questão real, que me seqüestraram durante 25 minutos, de forma ilegal.

SL: Perdoe a insistência, mas acho que é importante. Há uma diferença entre um controle de identidade que dura 25 minutos e violências policiais. A minha pergunta é simples. Você disse, textualmente: "Durante todo o fim de semana eu tinha a bochecha inchada e a sobrancelha". Como você tem fotos, agora você pode mostrar as marcas.

YS: Eu disse que prefiro reservá-las para o tribunal.

SL: Você entende que algumas pessoas custarão a acreditar na sua versão se não publicar as fotos.

YS: Acho que ao entrar nesse tipo de detalhe se perde a essência. A essência é que três bloggers acompanhados por um amiga iam a um ponto da cidade que era a Rua 23, esquina G. Tínhamos ouvido falar que um grupo de jovens havia convocado uma passeata contra a violência. Pessoas alternativas, cantores de hip hop, de rap, artistas. Fui para lá como blogueira para tirar fotos e publicá-las no meu blog e fazer entrevistas. No caminho, fomos interceptados por um carro Geely

SL: Para que não participassem do evento?

YS: As razões eram, evidentemente, essas. Eles nunca me disseram oficialmente, mas era esse o objetivo. Disseram-me para subir no carro. Perguntei-lhes quem eram. Um deles me pegou pelo pulso e comecei a ir para trás. Isso aconteceu em uma área bastante central de Havana, em uma parada de ônibus.

SL: Então havia pessoas. Havia testemunhas.

YS: Há testemunhas, mas não querem falar. Têm medo.

SL: Nem mesmo anonimamente? Por que a imprensa ocidental não as entrevistou anonimamente como costuma acontecer quando publicam reportagens críticas sobre Cuba?

Disseram-me: “Yoani, entre no carro, você sabe quem somos nós". Respondi: "Eu não sei quem vocês são" O mais baixo disse: “Escuta, você sabe quem eu sou, você me coñéese”. Eu respondi: "Não, eu não sei quem você é. Não lhe conheço. Quem é você? Mostre-me seus papéis ou algum documento”. O outro me disse: "Suba, não faça as coisas mais difíceis." Então comecei a gritar: "Socorro, uns seqüestradores!"

SL: Você sabia que se tratava de policiais à paisana?

YS: Eu imaginava, mas nunca me mostraram seus documentos.

SL: Então, qual era seu objetivo?

YS: Queria que as coisas fossem feitas com toda legalidade, ou seja, que me mostrassem seus papéis e que me levassem depois, embora suspeitasse que representavam a autoridade. Uma pessoa não pode obrigar a um cidadão a entrar em um carro particular sem mostrar seus documentos, caso contrário é uma ilegalidade e um seqüestro.

SL: Como reagiram as pessoas no ponto de ônibus?

YS: As pessoas no ponto de ônibus ficaram surpresas porque "seqüestro" não é uma palavra usada em Cuba porque não há esse fenômeno. Então, elas se perguntavam o que estava acontecendo. Nós não tínhamos pinta de delinqüentes. Alguns se aproximaram, mas um dos policiais gritou: "Não se metam porque são uns contra revolucionários!". Essa foi a confirmação de que era gente da polícia política, embora já houvesse imaginado porque o carro Geely é chinês, de fabricação recente e não havia sido vendido em nenhuma loja em Cuba. Pertence exclusivamente a pessoas do Ministério das Forças Armadas e do Ministério do Interior.

SL: Então você sabia desde o começo que eles eram policiais à paisana, pelo carro em que andavam.

YS: Intuía isso. Por outro lado, tive a confirmação quando um deles chamou um policial de uniforme. Uma patrulha composta por um homem e uma mulher veio e levou a dois de nós. Deixou- nos nas mãos desses dois estranhos.

LS: Mas não havia a menor dúvida sobre quem se tratava.

YS: Não, mas não nos mostraram qualquer papel. Os policiais nos disseram que representavam a autoridade. Não nos disseram nada.

SL: É difícil entender o interesse das autoridades cubanas em agredí-la fisicamente com o risco de desencadear um escândalo internacional. Você é famosa. Por que fariam isso?

YS: Seu objetivo era que eu radicalizasse e escrevesse textos violentos contra eles, mas não conseguiram.

SL: Não se pode dizer que você é suave com o governo cubano.

YS: Eu nunca uso a violência verbal nem ataques pessoais. Nunca uso adjetivos incendiários como "repressão sangrenta", por exemplo. Então, seu objetivo era tornar-me radical.

SL: Entretanto você é muito dura em relação ao governo de Havana. Em seu blog, diz: "… o barco que faz água à beira do naufrágio". Você fala "dos gritos do déspota", de "seres das sombras, que como vampiros se alimentam de nossa alegria humana, nos inoculam o medo a través do golpe, da ameaça, da chantagem"… “… tem naufragado o processo, o sistema, as expectativas, as ilusões. [É um] naufrágio [total]", são palavras muito fortes.

YS: Talvez, mas seu objetivo era queimar o fenômeno Yoani Sánchez, demonizar-me. Por isso meu blog esteve bloqueado durante bastante tempo.

SL: No entanto parece surpreendente que as autoridades cubanas tenham decidido atacá-la fisicamente.

YS: Foi uma ignorância. Eu não entendo por quê me impediram de participar da marcha porque não penso como os que reprimem. Não tenho explicação. Talvez queriam que eu não me reunisse com os jovens. Os policiais pensavam que eu ia fazer um escândalo ou fazer um discurso incendiário. Para voltar ao tema da prisão, os policiais levaram meus amigos de maneira enérgica e firme, mas sem violência. No momento em que eu percebo que vão deixar-nos sós, com Orlando e com estes três tipos, agarrei-me em uma planta que havia na rua e Claudia se agarrou em mim pela cintura para impedir a separação antes de que a polícia a levasse.

SL: Para que resistir às forças da ordem e correr o risco de ser acusada por isso e cometer um delito? Na França, se você resistir à polícia, se arrisca a sanções.

YS: De todo modo levaram-na. A mulher policial levou a Claudia. As três pessoas nos levaram até o carro e comecei a gritar novamente: "Socorro! Um seqüestro!".

SL: Por quê? Você sabia que se tratava de policiais à paisana.

YS: Não me mostraram nenhum papel. Então começam a bater-me e me empurram até o carro. Claudia foi testemunha e contou isso.

SL: Você não acabou de me dizer que a patrulha a havia levado?

YS: Ela viu a cena de longe, enquanto o carro da políca se afastava. Eu me defendi e bati como um animal que sente que chegou sua última hora. Logo deram uma volta pelo Vedado e tentavam tirar o papel que estava na minha boca. Peguei a um deles pelos testículos e a violência redobrou. Levaram-nos a um bairro bastante marginal, La Timba, que se encontra perto da Praça da Revolução. O homem saiu, abriu a porta e pediu-nos que saíssemos Não quiz sair. Tiraram-nos pela força com Orlando e se foram.

Chegou uma senhora e lhe disse que havíamos sido seqüestrados. Tomou-nos por uns loucos e se foi. O carro voltou, mas não parou. Só jogaram minha bolsa na qual estava meu celular e minha câmera.

SL: Eles voltaram para devolver seu telefone e sua câmera?

YS: Sim.

SL: Não lhe parece estranho que se preocupassem em voltar? Poderiam confiscar seu celular e sua câmera, que são suas ferramentas de trabalho.

YS: Bem, não sei. Tudo durou 25 minutos no total.

SL: Você entende, contudo, que enquanto não publique as fotos haverá dúvidas de sua versão, e isso lançará uma sombra sobre a credibilidade de tudo o que diz.

YS: Não importa.

Suíça e o regresso a Cuba

SL: Em 2002 você decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois voltou para Cuba. É difícil entender por que saiu do paraíso "europeu" para voltar ao país que descreve como o inferno. A pergunta é simples: Por quê?

YS: É uma pergunta muito boa. Primeiro, eu gosto de nadar contra a corrente. Eu gosto de organizar minha vida do meu jeito. O que é absurdo não é ir-se e voltar para Cuba, mas as leis migratórias cubanas que estipulam que toda pessoa que passa onze meses no exterior perder seu status de residente permanente. Em outras circunstâncias eu poderia passar dois anos no exterior e com o dinheiro ganho podia voltar a Cuba para consertar a casa e fazer outras coisas. Então o surpreendente não é o fato de que decida voltar para Cuba, mas sim as leis migratórias cubanas.

SL: O que é particularmente impressionante é que, tendo a oportunidade de viver num dos países mais ricos do mundo, você tenha decidido voltar ao seu país que você descreve de um modo bastante apocalíptico, apenas dois anos depois de sua partida.

YS: As razões são várias. Primeiro, eu não poderia ir com minha família. Somos uma família pequena, mas somos muito unidos com minha irmã e meus pais. Meu pai esteve doente durante a minha estância e eu tinha medo que ele morresse sem poder vê-lo. Também me sentia culpada por viver melhor que eles. Cada vez que comprava um par de sapatos, que me conectava à Internet, pensava neles. Sentia-me culpada.

SL: De acordo, mas da Suíça você podia ajudá-los enviando dinheiro.

YS: É verdade, mas há outra razão. Pensei que com o que havia aprendido na Suíça podia mudar as coisas voltando para Cuba. Há também a saudade das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me arrependo. Tinha vontade de voltar e voltei. É verdade que é algo que possa parecer pouco comum, mas eu gosto de fazer coisas incomuns. Abri um blog e as pessoas me perguntavam porque fazia isso; o blog me satisfaz profissionalmente.

SL: De acordo, mas apesar de todas estas razões, é difícil entender o por quê de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se pensa que todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais surpreendente, no seu caso, pois apresenta seu país de modo apocalíptico.

YS: Discutiria a palavra, como filóloga, pois "apocalíptico" é um termo grandiloqüente. Há uma coisa que caracteriza o meu blog, é a moderação verbal.

LS: Não é sempre o caso. Você descreve por exemplo a Cuba como "uma enorme prisão, com paredes ideológicas". Os termos são bastante fortes.

YS: Eu nunca escrevi isso.

SL: São as palavras de uma entrevista que você concedeu ao canal francês France 24, em 22 de outubro de 2009.

YS: Você leu em francês ou em espanhol?

SL: Em francês.

YS: Desconfie das traduções, pois nunca disse isso. Atribuem-me com frequência coisas que eu não disse. Por exemplo, o jornal espanhol ABC atribuiu-me palavras que nunca havia pronunciado e protestei. O artigo foi finalmente retirado do site

da Internet.

SL: Quais eram essas palavras?

YS: "Nos hospitais cubanos morrem mais pessoas de fome que de doença." Era uma mentira total. Nunca disse isso.

SL: Então a mídia ocidental manipulou o que disse?

YS: Não diria isso.

SL: Se lhe atribuem palavras que não pronunciou, se trata de manipulação.

YS: O Granma manipula mais a realidade que a imprensa ocidental quando dizem que sou a criação do grupo midiático Prisa.

SL: Justamente, não tem a impressão de que a mídia ocidental a usa porque você preconiza um "capitalismo sui generis" em Cuba?

YS: Não sou responsável pelo que a imprensa faz. Meu blog é uma terapia pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada em meu próprio país que em outra parte. Você sabe que existe uma lei em Cuba, a Lei 88, que é chamada de lei “mordaça", que prende as pessoas que fazem o que estamos fazendo.

SL: Você quer dizer?

YS: Que nossa conversação pode ser considerada um delito e pode incorrer numa pena de até 15 anos de prisão.

SL: Perdoe-me, o fato de que eu a entreviste pode levá-la para a cadeia?

YS: Claro que sim!

SL: Não tenho a impressão de que isso a preocupe muito, já que está me concedendo uma entrevista em plena tarde no lobby de um hotel no centro de Havana Velha.

YS: Não estou preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncia as violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra Cuba por causa da violação dos direitos humanos.

SL: Se não me equivoco, a Lei 88 foi aprovada em 1996 em resposta à lei Helms-Burton e sanciona sobretudo as pessoas que colaborem com a aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo, prestanso informação a Washington sobre os investidores estrangeiros em Cuba para que estes sejam perseguidos ante os tribunais dos Estados Unidos. Que eu saiba até agora ninguém foi condenado por isso. Falemos de liberdade de expressão. Você tem certa liberdade de expressão em seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não vê uma contradição entre o fato de afirmar que não há nenhuma liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e de suas atividades que demonstram o contrário?

YS: Sim, mas não se pode consultar (o blog) daqui de Cuba porque está bloqueado.

SL: Eu posso assegurar que eu o consultei deste hotel, esta manhã, antes da entrevista.

YS: É possível, porém a maior parte do tempo está bloqueado. De todas as formas, hoje em dia não posso ter o menor espaço na imprensa cubana, embora seja uma pessoa moderada, nem na rádio, nem na televisão

SL Mas pode publicar o que tem vontade em seu blog.

YS: Mas não posso publicar uma única palavra na imprensa cubana.

SL: Na França, que é uma democracia, amplos setores da população não tem nenhum espaço na mídia, já que a maioria pertence a grupos econômicos e financeiros privados.

YS: Sim, mas é diferente.

SL: Você recebeu ameaças por suas atividades? Ameaçaram-na alguna vez com uma pena de prisão pelo que escreve?

YS: Ameaças diretas de prisão não, mas não me deixam sair do país. Estou convidada atualmente a um congresso sobre o idioma espanhol no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.

SL: Deram a você alguma explicação?

YS: Nenhuma, mas quero esclarecer algo. Para as sanções dos Estados Unidos contra Cuba eles são uma atrocidade. Trata-se de uma política que fracassou. Eu disse muitas vezes, mas não se publica, porque incomoda que eu tenha esta opinião que rompe o arquétipo do adversário.

As sanções económicas

SL: Então você é contra as sanções econômicas?

YS: Absolutamente, e eu digo isso em todas as entrevistas. Há algumas semanas enviei uma carta ao Senado dos Estados Unidos para que permitissem aos cidadãos desse país viajarem a Cuba. É uma atrocidade ver que impedem os cidadãos dos Estados Unidos viajarem a Cuba, como o governo cubano me impede de sair do meu país.

SL: O que você acha das esperanças que tem suscitado a eleição de Obama, que prometeu uma mudança na política em relação a Cuba e que tem decepcionado a muitos?

YS: Ele chegou ao poder sem o apoio do lobby fundamentalista em Miami, que apoiou o outro candidato. De minha parte já me pronunciei contra as sanções.

SL: Este lobby fundamentalista se opõe ao levantamento das sanções econômicas.

YS: Pode discutir com eles e expor meus argumentos, mas não diria que eles são inimigos da pátria. Não penso isso.

SL: Uma parte deles participou da invasão do seu próprio país em 1961 sob as ordens da CIA. Vários deles estão implicados em atos terroristas contra Cuba.

YS: Os exilados cubanos têm o direito de pensar e decidir. Eu sou a favor de que tenham o direito ao voto. Aquí o exilado cubano tem sido estigmatizado.

SL: O exílio "histórico" ou aqueles que emigraram por razões econômicas?

YS: Na verdade, eu me oponho a todos os extremos. Mas essas pessoas que são a favor das sanções econômicas não são anti-cubanas. Pensam que defendem a Cuba segundo seus próprios critérios.

SL: Talvez, mas as sanções econômicas afetam os setores mais vulneráveis da população cubana e não os dirigentes. Então é difícil estar ao mesmo tempo a favor das sanções e pretender defender o bem-estar dos cubanos.

YS: É a opinião deles. É assim.

SL: Não são ingênuos. Acreditam que poderão mudar de regime impondo sanções. Sabem que os cubanos sofrem com as sanções.

YS: Eles são apenas diferentes. Eles acham que podem mudar o regime pela imposição das sanções. Em todo caso, eu acho que o bloqueio tem sido o argumento perfeito para o governo cubano manter a intolerância, o controle e a repressão interna.

SL: As sanções econômicas têm um efeito. Ou acha que são apenas uma desculpa para Havana?

YS: São uma desculpa que leva à repressão.

SL: Segundo você afetam o país de um ponto de vista econômico? Ou é marginal?

YS: O problema real é a falta de produtividade em Cuba. Se amanhã levantassem as sanções, duvido muito que se vejam os efeitos.

SL: Neste caso, por que os Estados Unidos não levantam as sanções e tiram assim a desculpa ao governo cubano? Assim, as dificultades econômicas seriam vistas e relacionadas às políticas internas. Se Washington insiste tanto nas sanções apesar do seu caráter anacrônico, apesar da oposição da maioria da comunidade internacional - 187 países em 2009 -, apesar da oposição de uma maioria da opinião pública dos Estados Unidos, apesar da oposição do mundo dos negócios, será por algo, não?

YS: Simplesmente porque Obama não é o ditador dos Estados Unidos e não pode retirar as sanções.

SL: Não pode eliminá-las totalmente porque é preciso um acordo do Congresso, mas pode, entretanto, aliviá-las consideravelmente, o que não tem feito até agora e, salvo a eliminação das restrições impostas por Bush em 2004, quase nada mudou.

YS: Não, não é certo, pois também permitiu que empresas de telecomunicação dos Estados Unidos fizesse transações com Cuba.

Os prêmios internacionais, o blog e Barack Obama

SL: Você tem que admitir que é muito pouco quando se sabe que Obama prometeu uma nova abordagem para Cuba. Voltemos ao seu caso pessoal. Como explica esta avalanche de prêmios, assim como seu êxito internacional?

YS: Não tenho muito a dizer, exceto expressar meu agradecimento Todo prêmio implica uma dose de subjetividade por parte dos jurados. Todo prêmio é discutível. Por exemplo, muitos escritores latino-americanos mereciam o Prêmio Nobel de Literatura, mais que Gabriel García Márquez.

SL: Ele ganhou o prêmio por sua obra literária, enquanto você tem sido recompensada por suas posições políticas contra o governo. É a impressão que temos.

YS: Falemos do prêmio Ortega e Gasset, do jornal El Pais, que levantou mais polêmica. Ganhei na categoria "Internet". Alguns dizem que outros jornalistas não o conseguiram, mas eu sou uma blogueira e sou pioneira neste campo. Eu me considero como uma figura da Internet. O júri do prêmio Ortega e Gasset é composto de personalidades de grande prestígio e eu não diria que se prestaram a uma conspiração contra Cuba.

SL: Você não pode negar que o jornal espanhol El Pais tem uma linha editorial extremamente hostil a Cuba. E alguns pensam que o prêmio, no valor de 15.000 euros, era uma forma de recompensar seus escritos contra o governo.

YS: As pessoas pensam o que querem. Acho que meu trabalho é recompensado. Meu blog tem 10 milhões de acessos por mês. É um ciclone.

SL: Como faz para pagar os gastos de semelhante fluxo?

YS: Um amigo na Alemanha se encarregava disso porque o site era hospedado na Alemanha. Há mais de um ano está hospedado na Espanha e consegui 18 meses gratuitos, graças ao prêmio The Bob's.

SL: E a tradução em 18 idiomas?

YS: São amigos e admiradores que o fazem voluntária e gratuitamente.

SL: Muitas pessoas custam a acreditar nisso pois nenhum outro site do mundo, inclusive os das mais importantes instituições internacionais, como por exemplo o das Nações Unidas, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da OCDE, da União Européia, dispõem de tantas versões linguísticas. Nem o site do Departamento de Estado dos Estados Unidos nem o da CIA dispõem de semelhante variedade.

YS: Digo-lhe a verdade.

SL: O presidente Obama inclusive respondeu a uma entrevista que você lhe pediu. Como explica isso?

YS: Primeiro, quero dizer que não eram perguntas comedidas.

SL: Tampouco podemos dizer que você foi crítica, uma vez que não lhe pediu que suspendesse as sanções econômicas que você diz que "são usadas para justificar tanto a ruina produtiva como para reprimir aos que pensam diferente". É exatamente o que Washington diz a respeito. A questão mais ousada foi quando você perguntou se ele pensava invadir Cuba. Como você explica que o presidente Obama teve tempo para responder-lhe, apesar de sua agenda sumamente carregada, uma crise econômica sem precedentes, a reforma do sistema de saúde, Iraque, Afeganistão, as bases militares na Colômbia, o golpe de Estado em Honduras e centenas de solicitações de entrevistas com os mais importantes meios de comunicação do mundo esperando?

YS: Eu tenho sorte. Quero dizer-lhe que também enviei perguntas ao presidente Raúl Castro e ele não me respondeu. Não perco a esperança. Além disso, agora tenho a vantagem de contar com as respostas de Obama.

SL: Como chegou a Obama?

YS: Enviei a entrevista a várias pessoas que vinham ver-me e que podiam ter um contato com ele.

SL: Você acha que Obama respondeu-lhe porque é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?

YS: Obama me disse que ele fala para os cidadãos.

SL: Você recebe milhares de solicitações todos os dias. Por que ele lhe respondeu se você é uma simples blogueira?

YS: Obama está próximo a minha geração, da minha maneira de pensar.

SL: Mas por que você? Há milhões de blogueiros no mundo. Você não acha que tenha sido manipulada na guerra midiática de Washington contra Havana?

YS: Na minha opinião, talvez quisesse responder a alguns pontos, como a invasão a Cuba. Talvez eu tenha dado a oportunidade de falar sobre um assunto que queria abordar há muito tempo. A propaganda política fala constantemente de uma possível invasão a Cuba.

LS: Mas houve uma, não?

YS: Quando?

SL: Em 1961. E em 2003, Roger Noriega, sub-secretário de Estado para Negócios Inter-americanos, disse que qualquer onda migratória cubana para os Estados Unidos seria considerada uma ameaça à segurança nacional e exigiria uma resposta militar.

YS: É outro assunto. Para voltar ao tema da entrevista, creio que permitiu esclarecer certos pontos. Tenho a impressão de que há um desejo de ambos os lados de não normalizar as relações, de não se entenderem. Perguntei-lhe quando íamos encontrar uma solução.

SL: Quem é o responsável por este conflito entre os dois países, segundo você?

YS: É difícil encontrar um culpado.

SL: Neste caso específico são os Estados Unidos que impuseram sanções unilaterais a Cuba, e não vice-versa.

YS: Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos.

SL: Tenho a impressão de que você se faz de advogada de Washington.

YS: Os confiscos ocorreram.

SL: É verdade, mas foram feitos conforme o direito internacional. Cuba também confiscou propriedades da França, Espanha, Itália, Bélgica, do Reino Unido, e indenizou essas nações. O único país que rejeitou as indenizações foram os Estados Unidos.

YS: Cuba também permitiu a instalação de bases militares no seu território e de mísseis de um império distante ...

SL: ... Como os Estados Unidos instalou bases nucleares contra a URSS na Itália e na Turquia.

YS: Os mísseis nucleares podiam alcançar os Estados Unidos.

SL: Como os mísseis nucleares dos Estados Unidos poderiam alcançar a Cuba ou a URSS.

YS: É verdade, mas eu acho que houve uma escalada do confronto por parte de ambos países.



Os cinco cubanos presos políticos e a dissidência

SL: Abordemos outro tema. Fala-se muito dos cinco cubanos prisioneiros políticos nos Estados Unidos, condenados à prisão perpétua por infiltrarem-se em facções de extrema-direita na Flórida, envolvidos no terrorismo contra Cuba.

YS: Não é um tema de preocupação para a população. É propaganda política.

SL: Mas qual é o seu ponto de vista a respeito?

YS: Vou tentar ser o mais neutra possível. Eles são agentes do Ministério do Interior que se infiltraram nos Estados Unidos para recolher informações. O governo cubano diz que não desempenhavam atividades de espionagem, mas que se haviam infiltrado em grupos cubanos para evitar atos terroristas. Mas o governo cubano sempre disse que esses grupos estavam vinculados a Washington.

SL: Então os grupos radicais de exilados têm laços com o governo dos Estados Unidos.

YS: Isso é o que a propaganda política diz.

SL: Então não é verdade.

YS: Se é verdade quer dizer que os cinco realizavam atividades de espionagem.

SL: Então, nesse caso, os Estados Unidos tem que reconhecer que os grupos violentos fazem parte do governo.

YS: É verdade.

SL: Você acha que os cinco devem ser libertados ou que merecem a pena imposta?

YS: Acho que valeria a pena rever os casos, mas em um contexto político mais apaziguador. Não creio que o uso político deste caso seja bom para eles. O governo cubano medeia demasiado este assunto.

SL: Talvez porque é um assunto totalmente censurado pela imprensa ocidental.

YS: Acho que se podia salvar a situação dessas pessoas que são seres humanos, que têm uma família, filhos, mas por outro lado, também há vítimas.

SL: Mas os cinco não cometeram crimes.

YS: Não, mas deram informações que causaram a morte de várias pessoas.

SL: Você está se referindo aos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996, quando dois aviões da organização radical Irmãos ao Resgate foram derrubados após violar repetidamente o espaço aéreo cubano e fazer chamamentos para rebelião.

YS: Sim.

SL: No entanto, o procurador reconheceu que era impossível provar a culpa de Gerardo Hernández nesse caso.

YS: É verdade. Penso que quando a política entra nas questões da justiça chegamos a esse ponto.

SL: Você pensa que este é um caso político?

YS: Para o governo cubano é um caso político.

SL: E para os Estados Unidos?

YS: Tenho entendido que aí há uma separação dos poderes, mas pode ser que o ambiente político tenha influenciado os juízes e o jurado, mas não acho que se trate de um caso político dirigido por Washington. É difícil ter uma imagem clara deste caso, pois nunca pudemos obter uma informação completa a respeito. Mas a prioridade para os cubanos é a libertação dos presos políticos.

O financiamento dos dissidentes cubanos pelos Estados Unidos

SL: Wayne S. Smith, último embaixador dos Estados Unidos em Cuba, declarou que era “…ilegal e imprudente mandar dinheiro aos dissidentes cubanos”. Agregou que “…ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes e ainda menos com o objetivo de derrubar o governo cubano”. E explica: “Quando os Estados Unidos declaram que seu objetivo é derrubar o governo cubano e depois afirma que um dos meios para alcançá-lo é proporcionar fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de fato na posição de agentes pagos por uma potência estrangeira para derrubar o seu própio governo”.

YS: Creio que o financiamento da oposição pelos Estados Unidos foi apresentada como uma realidade, o que não é o caso. Conheço a vários membros do grupo dos 75 dissidentes presos em 2003 e duvido muito desta versão. Não tenho provas de que os 75 tenham sido presos por isso. Não creio nas provas apresentadas nos tribunais cubanos.

SL: Não creio que seja possível ignorar esta realidade.

YS: Por quê?

SL: O próprio governo dos Estados Unidos afirma que financia a oposição interna desde 1959. Basta consultar, além dos arquivos desclassificados, a seção 1705 da lei Torricelli de 1992, a seção 109 da lei Helms-Burton de 1996 e os dois informes da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, de maio de 2004 e de julho de 2006. Todos estes documentos revelam que o presidente dos Estados Unidos financia a oposição interna em Cuba com o objetivo de derrubar o governo de Havana.

YS: Não sei, mas…

SL: Se me permite vou citar as leis em questão. Assim, a seção 1705 da lei Torricelli estipula que os “Estados Unidos proporcionarão assistência às organizações não governamentais adequadas para apoiar a indivíduos e organizações que promovem uma mudança democrática não violenta em Cuba».

A seção 109 da lei Helms-Burton também é muito clara: “O presidente [dos Estados Unidos] está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes para unir os esforços com vistas a construir uma democracia em Cuba».

O primeiro informe da Comissão de Assistência a uma Cuba Livre prevê a elaboração de um “sólido programa de apoio que favoreça a sociedade civil cubana”. Entre as medidas preconizadas é destinado um financiamento de 36 milhões de dólares para “…apoio da oposição democrática e para fortalecimento da sociedade civil emergente”.

O segundo informe da Comissão de Assistência a uma Cuba Livre prevê um orçamento de 31 milhões de dólares para financiar, todavia mais, à oposição interna. Além disso está previsto um financiamento de pelo menos 20 milhões de dólares anuais, com o mesmo objetivo para os anos seguintes “…até que a ditadura deixe de existir”.

YS: Quem lhe disse que esse dinheiro chegou às mãos dos dissidentes?

SL: A Seção de Interesses norte - americanos afirmou em um comunicado: “A política dos Estados Unidos, há muito tempo, é proporcionar assistência humanitária ao povo cubano, especificamente a famílias de presos políticos. Também permitimos que o façam as organizações privadas».

YS: Bom…

SL: Inclusive a Anistia Internacional, que lembra a existência de 58 presos políticos em Cuba, reconhece que estes estão encarcerados “…por haver recebido fundos ou materiais do governo dos Estados Unidos para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais a Cuba”.

YS: Não sei se…

SL: Por outro lado, os próprios dissidentes admitem receber dinheiro dos Estados Unidos. Laura Pollán, das Damas de Branco, declarou:: “Aceitamos a ajuda, o apoio, desde a ultradireita até a esquerda, sem condições». O opositor Vladimiro Roca também confessou que a disidência cubana está subvencionada por Washington, alegando que a ajuda financeira recebida era “… total e completamente lícita”. Para o dissidente René Gómez o apoio econômico por parte dos Estados Unidos “…não é uma coisa que tenha que ser oculta ou que dela tenhamos que envergonhar-nos”.

Inclusive a imprensa ocidental reconhece isso. A agência France Press informa que “…os dissidentes, por sua parte, reivindicaram e assumiram essas ajudas econômicas”. A agência espanhola EFE alude aos “…opositores pagos pelos Estados Unidos”. A agência de imprensa britânica Reuters diz: “…o governo dos Estados Unidos proporciona abertamente um apoio financeiro federal para as atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato ilegal”. E poderia multiplicar os exemplos.

YS: Tudo isso é culpa do governo cubano que impede a prosperidade econômica de seus cidadãos, que impõe um racionamento à população. Temos que fazer fila para conseguir produtos. Temos que julgar primeiro o governo cubano que tem levado a milhares de pessoas a aceitar a ajuda estrangeira.

SL: O problema é que os dissidentes cometem um delito que a lei cubana e todos os códigos penais do mundo sancionam severamente. Ser financiado por uma potência estrangeira é um grave delito na França e no resto do mundo.

YS: Podemos admitir que o fato de financiar a uma oposição é uma prova de ingerência, mas…

SL: Mas neste caso as pessoas que você qualifica de presos políticos não são presos políticos, pois cometeram um delito ao aceitar dinheiro dos Estados Unidos e a justiça cubana as condenou baseada neste fato.

YS: Creio que este governo se imiscuiu muitas vezes nos assuntos internos de outros países, financiando movimentos rebeldes e guerrilhas. Interveio em Angola e…

SL: Sim, mas se tratava de ajudar aos movimentos independentistas contra o colonialismo português e o regime segregacionista da África do Sul. Quando a África do Sul invadiu Namibia, Cuba interveio para defender a independência desse país. Nelson Mandela agradeceu publicamente a Cuba por isso e foi essa a razão pela qual reservou sua primeira viagem a Havana e não a Washington ou a Paris.

YS: Mas muitos cubanos morreram por isso, longe de sua terra.

SL: Sim, mas foi por uma causa nobre, seja em Angola, no Congo ou na Namibia. A batalha de Cuito Cuanavale em 1988 permitiu pôr fim ao apartheid na África do Sul. É o que diz Mandela. Não se sente orgulhosa disso?

YS: De acordo, mas no final das contas me incomoda mais a ingerência de meu país lá fora, que outra coisa. O que precisa é despenalizar a prosperidade.

SL: Inclusive o fato de receber dinheiro de uma potência estrangeira?

YS: As pessoas têm que ser economicamente autônoma.

SL: Se entendo bem, preconiza a privatização de certos setores da economia.

YS: Privatizar. Não gosto do termo porque tem uma conotação pejorativa, mas colocar em mãos privadas, sim.

Conquistas sociais em Cuba?

SL: Então é uma questão semântica ? Quais são, segundo você as conquistas sociais deste país?

YS: Cada conquista tem acarretado um custo enorme. Todas as coisas que podem parecer positivas tem trazido um custo em termos de liberdade. Meu filho recebe uma educação muito doutrinada e contam uma história de Cuba que não corresponde em nada à realidade. Preferiria uma educação menos ideológica para meu filho. Por outro lado ninguém quer ser professor neste país porque os salários são muito baixos.

SL: De acordo, mas isso não impede que Cuba seja o país com o maior número de professores por habitante do mundo, com classes de 20 alunos no máximo, o que não é o caso na França, por exemplo.

YS: Sim, mas houve um custo para isso e por isso a educação e a saúde não são verdadeiras conquistas para mim.

SL: Não podemos negar algo reconhecido por todas as instituições internacionais. Em relação à educação, a taxa de analfabetismo na América Latina é de 11,7% e de 0,2% em Cuba. A taxa de escolarização no ensino primário é de 92% na América Latina e de 100% em Cuba e para o ensino secundário de 52% e 99,7% respectivamente. São cifras do Departamento de Educação da UNESCO.

YS: De acordo, mas em 1959, ainda que Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era tão má. Havia uma vida intelectual florescente, um pensamento político vivo. Na realidade, a maioria dos supostos êxitos atuais que se apresentam como resultados do sistema eram inerentes a nossa idiossincrasia. Eses êxitos existian antes.

SL: Não é certo; e vou citar uma fonte livre de toda suspeita: um informe do Banco Mundial. É uma citação bastante longa, mas vale a pena:.

“Cuba é internacionalmente reconhecida por seus êxitos no campo da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países em vias de desenvolvimento e em certos setores é comparável ao dos países desenvolvidos. Desde a Revolução cubana em 1959 e o estabelecimento de um governo comunista com partido único, o país tem criado um sistema de serviços sociais que garantem o acesso universal à educação e à saúde, proporcionado pelo Estado. Este modelo tem permitido a Cuba o alcance de uma alfabetização universal, a erradicação de certas doenças, o acesso geral à água potável e à salubridade pública de base, uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas da região e uma das mais longas esperanças de vida. Uma revisão dos indicadores sociais de Cuba revela uma melhoria quase contínua desde 1960 até 1980. Vários índices importantes, como a esperança de vida e a taxa de mortalidade infantil, continuaram melhorando durante a crise econômica do país nos anos 90. Na atualidade a prestação social de Cuba é uma das melhores do mundo em vias de desenvolvimento, como o documentam numerosas fontes internacionais, incluídas a Organização Mundial da Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras agências da ONU, e o Banco Mundial. Segundo os indicadores de desenvolvimento do mundo, de 2002, Cuba supera amplamente a América Latina e o Caribe e outros países com renda média nos mais importantes índices de educação, saúde e de salubridade pública”.

Além disso as cifras o demonstram. Em 1959, a taxa de mortalidade infantil era de 60 por mil. Em 2009 era de 4,8. Trata-se da taxa mais baixa do continente americano do Terceiro Mundo; inclusive mais baixa que a dos Estados Unidos.

YS: Bom, mas…

SL: A esperança de vida era de 58 anos antes da Revolução. Agora é de quase 80 anos e é similar à de muitos países desenvolvidos. Cuba tem agora 67.000 médicos frente aos 6.000 em 1959. Segundo o diário inglés The Guardian, Cuba tem duas vezes mais médicos que a Inglaterra, para uma população quatro vezes inferior.

YS: De acordo, mas em termos de liberdade de expressão houve uma redução em relação ao governo de Batista. O regime era uma ditadura, mas havia uma liberdade de imprensa, plural e abierta, programas de rádio de todas as tendências políticas.

SL: Não é certo. A censura da imprensa também existía. Entre dezembro de 1956 e janeiro de 1959, durante a guerra contra o regime de Batista, a censura se impôs durante 630 dias sobre 759. E aos opositores era reservada uma triste sorte.

YS: É verdade que havia censura, intimidações e mortos no final.

SL: Então não se pode dizer que a situação era melhor com Batista, já que se assassinava aos opositores. Já não é o caso hoje em dia. Você pensa que a data de primeiro de janeiro é uma tragédia para a história de Cuba?

YS: Não, não, em nada. Foi um processo que suscitou muita esperança, mas que traiu a maioria dos cubanos. Foi um momento luminoso para uma boa parte da população, mas puseram fim a uma ditadura e instauraram outra. Mas não sou tão negativa como alguns.

Luis Posada Carriles, a Lei de Ajuste cubano e a emigração

SL: O que pensa de Luis Posada Carriles, ex agente da CIA, responsável por numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos se negam a julgar?

YS: É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.

SL: Pelo menos interessa aos familiares das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?

YS: Não gosto das ações violentas.

SL: Condena seus atos terroristas?

YS: Condeno todo ato de terrorismo, inclusive os que cometem atualmente no Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata aos iraquianos.

SL: Quem mata mais aos iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?

YS: Não sei.

SL: Uma palavra sobre a Lei de Ajuste Cubano que estipula que todo cubano que emigra legal ou ilegalmente para os Estados Unidos consegue automaticamente o status de residente permanente.

YS: É uma vantagem que não desfrutam os demais países. Mas o fato de que os cubanos emigrem para os Estados Unidos deve-se à difícil situação que está aquí.

SL: E também os Estados Unidos é o país mais rico do mundo. Muitos europeus também emigram para lá. Você reconhece que a Lei de Ajuste Cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e ilegal?.

YS: É, efetivamente, um fator de incitação.

SL: Não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e o governo?

YS: Neste caso podemos dizer também que o fato de outorgar a cidadania espanhola aos descendentes de espanhois nascidos em Cuba é um fator de desestabilização.

SL: Isso não tem nada a ver, pois há razões históricas para isso. Além disso Espanha aplica esta lei a todos os países de América Latina e não só a Cuba, enquanto que a Lei de Ajuste Cubano é única no mundo.

YS: Mas há fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.

SL: Na República Dominicana também e entretanto não há uma lei de ajuste dominicano.

YS: Existe entretanto uma tradição de aproximação.

SL: Então por quê esta lei não foi aprovada antes da Revolução?

YS: Porque os cubanos não queriam ir embora de seu país. Na época, Cuba era um país de imigração e não de emigração.

SL: É absolutamente falso, uma vez que nos anos 50 Cuba ocupava o segundo lugar dos países americanos em termos de emissão migratória aos Estados Unidos, seguindo atrás do México. Cuba mandava mais migrantes aos Estados Unidos que toda América Central e toda América do Sul juntas, enquanto que atualmente Cuba só ocupa o décimo lugar, apesar da Lei de Ajuste Cubano e das sanções econômicas.

YS: Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.

SL: As cifras demonstram o contrário. Atualmente, repito, Cuba só ocupa o décimo lugar no continente americano em termos de emissão migratória aos Estados Unidos. Então a obsessão de que você me fala é mais forte em nove países do continente, pelo menos.

YS: Sim, mas na época os cubanos iam e regressavam.

SL: É o mesmo caso na atualidade, uma vez que a cada ano os cubanos do exterior regresam de férias para cá. Além disso, antes de 2004 e das restrições impostas pelo presidente Bush, que limitaram as viagens dos cubanos residentes nos Estados Unidos em 14 dias a cada três anos, os cubanos constituiam a minoria que viajava mais frecuentemente dos Estados Unidos ao seu país de origem, muito mais que os mexicanos, por exemplo, o que demonstra que os cubanos dos Estados Unidos são, em sua imensa maioría, emigrados econômicos e não exilados políticos, já que regressam de visita a seu país, algo que não faria um exilado político.

YS: Sim, mas pergunte a eles se querem continuar a viver aqui outra vez.

SL: Mas é o que você tem feito, não? Além disso em seu blog você escreveu em julho de 2007 que seu caso não era um caso isolado. Cito-a: “Há três anos […] em Zurique […], decidi regressar ao meu país. Meus amigos acreditavam que eu fazia uma piada, minha mãe se negou a aceitar que sua filha já não vivia na Suiça do leite e do chocolate”. Em 12 de agosto de 2004 você se apresentou no escritório de migração provincial de Havana para explicar seu caso. Você escreveu: “Tremenda surpresa quando me disseram: entra no fim da fila dos ‘que regressam’ […].Assim encontrei, de pronto, outros ‘loucos’ como eu, cada um com sua truculenta história de retorno”. Então existe este fenômeno de regresso ao país.

YS: Sim, mas são pessoas que regressam por razões pessoais. Há algums que tinham dívidas no exterior, outros que não suportavam a vida fora. Enfim, una série de razões.

SL: Então, apesar das dificuldades e das vicissitudes cotidianas, a vida não é tão terrível aquí, já que algums regressam. Você pensa que os cubanos têm uma visão demasiado idílica da vida no exterior?

YS: Isso se deve à propaganda do regime que apresenta de maneira demasiado negativa a vida lá fora e isso teve resultado contrário para as pessoas, que têm idealizado muito o modo de vida ocidental. O problema é que em Cuba a emigração de mais de onze meses é definitiva, quando uma pessoa poderia viver dois anos fora e regressar por um tempo e ir de novo, etc.

SL: Então, se entendo bem, o problema em Cuba é mais de ordem econômica, uma vez que as pessoas desejam abandonar o país só para melhorar seu nível de vida.

YS: Muitos gostariam de viajar para o exterior e poder regressar logo, mas as leis migratórias não o permitem. Estou segura de que, se fosse possível, muita gente emigraria dois anos e regressaria logo para ir de novo e regressar, etc.

SL: Em seu blog houve comentários interessantes a respeito. Vários emigrados falaram de suas desilusões com o modo de vida ocidental.

YS: É muito humano. Você se apaixona por uma mulher e três meses depois perde suas ilusões. Compra um par de sapatos e dois dias depois não gosta mais deles. As desilusões formam parte da condição humana. O pior é que as pessoas não podem regressar.

SL: Mas as pessoas regressam.

YS: Sim, mas só de férias.

SL: Mas têm o direito de ficar todo o tempo que queiram, vários anos inclusive, ainda que percam algunas vantagens vinculadas a sua condição de residente permanente, como a “libreta”, a prioridade para a moradia, etc.

YS: Sim, mas as pessoas não podem ficar vários meses aqui, pois têm sua vida fora, seu trabalho, etc.

SL: Isso é outra coisa e é o mesmo para todos os emigrantes do mundo inteiro. Em todo caso, podem perfeitamente regressar a Cuba quando quiserem e ficar todo o tempo que queiram. A única coisa é que, se ficam mais de onze meses fora do país perdem algumas vantagens. Por outro lado eu custo a comprender que, se a realidade é tão terrível aqui, alguém que tenha a oportunidade de viver fora, em um país desenvolvido, por quê desejaria regressar para viver de novo em Cuba?

YS: Por múltiplas razões, por seus laços familiares, etc.

SL: Então a realidad não é tão dramática.

YS: Não diria isso, mas alguns dispõem de melhores condições de vida que outros

SL: Quais são, segundo você, os objetivos do governo dos Estados Unidos em relação a Cuba?

YS: Os Estados Unidos desejam uma mudança de governo em Cuba, mas é o que eu desejo também.

SL: Então compartilha um objetivo comum com os Estados Unidos

YS: Como muitos cubanos.

SL: Não estou convencido disso. Mas, por quê? Porque é uma ditadura? O que quer Washington de Cuba?

YS: Creio que se trata de uma questão geopolítica. Também está o desejo dos exilados cubanos, que é levado em conta, e que querem uma nova Cuba, o bem-estar dos cubanos.

SL: Com a imposição de sanções econômicas?

YS: Tudo depende a quem se refere. Quanto aos Estados Unidos, creio que querem impedir que exploda a bomba migratória.

SL: Ah, sim? Com a Lei de Ajuste Cubano que incita os cubanos a abandonarem o país? Não é sério. Por quê então não anulam esta lei?

YS: Creio que o verdadeiro objetivo dos Estados Unidos é acabar com o governo de Cuba para dispôr de um espaço mais estável. Tem-se falado muito de Davi contra Golias para falar do conflito. Mas o único Golias para mim é o governo cubano que impõe um controle, a ilegalidade, os baixos salários, a repressão, as limitações.

SL: ¿Você não pensa que a hostilidade dos Estados Unidos tem contribuído para isso?

YS: Não só penso que tem contribuído para isso, mas que se converteu no principal argumento para dizer que vivemos em uma fortaleza assediada e que toda dissidência é traição. Creio, na realidade, que o governo cubano teme que esta confrontação desapareça. O governo cubano deseja a manutenção das sanções econômicas.

SL: De verdade? Porque é exatamente o que diz Washington de modo um pouco contraditório porque, se fosse o caso, deveria suspender as sanções e deixar assim o governo cubano frente a frente com suas próprias responsabilidades. Já não existiria a desculpa das sanções para justificar os problemas em Cuba.

YS: Cada vez que os Estados Unidos tentaram melhorar a situação, o governo cubano teve uma atitude contraproducente.

SL: Em que momento os Estados Unidos tentou melhorar a situação? Desde 1960 só tem reforçado as sanções, com a exceção do período Carter. Fica difícil então manter este discurso. Em 1992 os Estados Unidos votou a lei Torricelli com caráter extraterritorial; em 1996, a lei Helms-Burton, extraterritorial e retroativa; em 2004, Bush adotou novas sanções e as ampliou em 2006. Não podemos dizer que os Estados Unidos tem tentado melhorar a situação. Os fatos demonstram o contrário. Além disso, se as sanções são favoráveis ao governo cubano e só se trata de uma desculpa, por quê não eliminá-las? Não são os dirigentes que sofrem as consequências das sanções, mas o povo.

YS: Obama deu um passo nesse sentido, insuficiente talvez, mas interessante.

SL: Só eliminou as restrições que Bush impôs aos cubanos e que lhes proibia de viajar ao seu país mais de 14 dias a cada tres anos, no melhor dos casos, e se tivessem um membro direto de sua família em Cuba. Inclusive foi redefinido o conceito de família. Assim, um cubano da Flórida que só tivesse um tio em Cuba não podia viajar ao seu país, pois ele não era considerado como membro “direto” da família. Obama não eliminou todas as sanções que Bush impôs e nem sequer regressou ao status que existia com Clinton.

YS: Creio que as duas partes devem diminuir o tom sobre tudo, e Obama tem feito. Depois Obama não pode eliminar as sanções, pois depende de um acordo do Congresso.

SL: Mas pode aliviá-las consideravelmente, firmando simples ordens executivas, o que se nega a fazê-lo até agora.

YS: Está ocupado com outros temas, como o desemprego e a reforma da saúde.

SL: Entretanto teve tempo de responder a sua entrevista.

YS: Sou uma pessoa afortunada.

SL: A posição do governo cubano é a seguinte: não temos que dar nenhum passo até os Estados Unidos, pois não impomos sanções ao país.

YS: Sim, e o governo diz também que os Estados Unidos não devem pedir mudanças internas porque é ingerência.

SL: É o caso, não?

YS: Então, se eu peço uma mudança também é ingerência?

SL: Não, porque você é cubana e por isso tem o direito de decidir o futuro de seu país.

YS: O problema não é quem pede as mudanças, mas as mudanças em questão.

SL: Não estou seguro porque como francês não gostaria que o governo belga ou alemão se imiscuísse nos assuntos internos da França. Como cubana, você aceita que o governo dos Estados Unidos lhe diga como deve ser governado seu país?

YS: Se o objetivo é agredir o país, é evidentemente inaceitável.

SL: Você considera as sanções econômicas como uma agressão?

YS: Sim, considero-as como uma agressão que não tem trazido resultados e que é uma múmia da guerra fria, que não tem nenhum sentido, que afeta ao povo e que tem reforçado o governo. Mas repito que o governo cubano é responsável por 80% da crise econômica atual e 20% pelas sanções econômicas.

SL: Outra vez, repito a você, essa é exatamente a posição do governo dos Estados Unidos e as cifras demonstram o contrário. Se fosse o caso, não creio que 187 países do mundo se incomodaram em votar uma resolução contra as sanções. É a décima oitava vez consecutiva que uma imensa maioria dos países da ONU se pronunciam contra este castigo econômico. Se o tema fosse secundário, e não creio, os países não votariam dessa forma.

YS: Mas não sou uma especialista em economia, é meu sentimento pessoal

SL: O que você preconiza para Cuba?

YS: Creio que é necessário liberar a economia. Entretanto não se pode fazer de um dia para outro porque provocaria uma fratura e disparidades sociais que afetariam aos mais vulneráveis. Mas é necessário fazê-lo gradualmente e o governo cubano tem a possibilidade de fazê-lo.

SL: Um capitalismo «sui generis», como você disse.

YS: Cuba é uma ilha sui generis. Podemos criar um capitalismo sui generis.

SL: Yoani Sánchez, obrigado pelo seu tempo e sua disponibilidade.

YS: Obrigada a você.



Salim Lamrani é profesor, ministra cursos na Universidade Paris-Sorbonne -Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée. É periodista francês, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Acaba de publicar “Cuba: Ce que les médias ne vous diront jamais” (Paris: Editions Estrella, 2009). Contato: lamranisalim@yahoo.fr

Rebelião publicou este artigo com a permissão do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando sua liberdade para publicá-lo em outras fontes.



Tradução: Maria Auxiliadora César

Coordenadora do NESCUBA – Núcleo de Estudos Cubanos/CEAM/Universidade de Brasília/Brasil