A foto tirada por Alberto Korda é a mais reproduzida de todos os tempos.
Em 8 de outubro de 1967, Ernesto Che Guevara foi assassinado
na Bolívia. Depois de sua morte, ele foi instantaneamente transformado em um
símbolo do compromisso e do heroísmo revolucionários. Até hoje, Che vive nos
corações dos povos solidários.
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Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928,
em Rosário, importante cidade industrial da Argentina, em uma família classe
média alta. Seu pai, o arquiteto e engenheiro civil Ernesto Guevara Lynch, era
um militante político, tendo participado de vários comitês e organizações de
ajuda aos países democráticos. Apoiou a resistência republicana na Guerra Civil
Espanhola, nos anos de 1930, participou de campanhas para brecar a propaganda
nazista nas Américas na Segunda Guerra Mundial e, mais tarde, fez oposição ao
governo de Juan Perón. A mãe, Cella de la Serna, era igualmente ativista, tendo
sido presa diversas vezes por sua militância política. Durante a juventude de
Che, a casa dos Guevara vivia repleta de republicanos espanhóis e militantes
socialistas.
Aos 2 anos, Che Guevara sentiu os primeiros sintomas de asma
que o atormentaria ao longo da vida. Para minimizar os efeitos da doença, a
família foi para Alta Gracia, perto da Cordilheira dos Andes, à procura de um
clima mais saudável. Mais tarde, Ernestito, como era chamado pelos parentes,
começou a praticar esportes como natação, futebol, ciclismo e rugby. Ao
contrário do que se poderia imaginar, ele não desenvolveu uma personalidade
fraca e indolente por causa da doença. A enfermidade tornou-se um desafio que
ele aceitou sem nenhuma autocompaixão. Outra coisa curiosa que aconteceria
depois: Che foi dispensado do serviço militar argentino por incapacidade em
virtude da asma.
Quando Guevara tinha 12 anos, sua família mudou-se para
Córdoba, segunda maior cidade da Argentina, e foi viver próxima de uma favela.
O menino brincava diariamente com as crianças pobres do lugar, uma atitude
pouco comum para um filho de classe média alta. Nessa época, ele começou a
pegar gosto pela leitura, pois seus pais tinham cerca de 3 mil livros em casa.
Che tomou contato com a poesia, filosofia, história e arqueologia, dentre
outros assuntos. Com isso, abriu novos horizontes e quis conhecer novos
lugares. A primeira viagem foi uma travessia do território argentino de bicicleta
promovida por uma empresa local. Em cada cidade que parava, comprava vários
livros e, desde essa época, começou a escrever um diário, hábito que manteve
por toda a vida.
Em 1944, quando tinha 17 anos, a família Guevara
transferiu-se para a capital Buenos Aires, centro cultural e político da
Argentina. Ele havia decidido fazer Medicina, mas continuava atraído por
viagens e aventuras. Em dezembro de 1949, ainda não tendo terminado o curso,
começou uma longa viagem de motocicleta em direção ao Chile com seu amigo
Alberto Granados. A idéia era rodar todo o continente, conhecendo os povos, as
condições de vida, a história e a geografia da América Latina. Passaram pela
maioria dos países, mas os que marcaram mais Guevara foram a Bolívia, a
Venezuela e o Peru. Nessa viagem, Guevara começa a ver a América Latina como
uma única entidade econômica e cultural. Granados, recém-formado em Medicina,
ficou na Venezuela trabalhando num sanatório para leprosos e Che voltou para a
Argentina para completar seu curso.
Início da inquietação
Em março de 1953, ele se formou em Medicina com
especialização em alergia, mas percebeu que ainda não estava preparado para se
tornar um médico. Resolveu voltar para a Bolívia. Em um de seus diários, Che
relatou: “Quando comecei meus estudos de Medicina, a maioria de meus ideais
revolucionários ainda não existia. Como grande parte das pessoas, eu estava em
busca de sucesso [...]. Mas, quando comecei a viajar por toda a América, entrei
em contato com a pobreza, a fome e a doença [...]. Vi a degradação e a repressão.
Então comecei a entender que havia outra coisa tão importante quanto ser
famoso, que era ajudar essa gente.”
Em La Paz, capital da Bolívia, Guevara teve contato com
vários grupos políticos, especialmente exilados argentinos. Um dos novos
amigos, Ricardo Rojo, era um advogado argentino que escapara das prisões do
regime de Perón. O plano de Guevara era se encontrar com Alberto Granados na
Venezuela, mas Rojo o convenceu a acompanhá-lo até a Guatemala, “onde as coisas
estão acontecendo”. Em 1950, os guatemaltecos tinham elegido o presidente
Jacobo Arbens Guzmán, um esquerdista moderado que prometera dar sequência ao
programa de reformas sociais iniciado em 1944, quando fora deposto o último
regime militar. Arbens estava sobre fogo cerrado das elites locais e dos
interesses norte-americanos.
Para chegar à Guatemala, Guevara, Rojo e um grupo de
argentinos fizeram uma difícil viagem pelo Peru e Equador, de onde pegaram um
barco para o Panamá. O transporte foi obtido graças à interferência de um
político socialista chileno, Salvador Allende, que 20 anos depois seria
presidente de seu país e terminaria assassinado durante um sangrento golpe
militar.
Do Panamá, o grupo foi para a Costa Rica, onde vivia uma
grande comunidade de exilados latino-americanos, incluindo alguns remanescentes
do ataque ao quartel de Moncada em 26 de julho de 1953. Os cubanos garantiram
que voltariam a Cuba para derrubar Fulgêncio Batista, mas, de acordo com Rojo,
nem ele nem Guevara os levaram muito a sério.
Primeira luta
Em janeiro de 1954, eles chegaram à Guatemala para mergulhar
em um universo político conturbado. Foi lá que Guevara conheceu a peruana Hilda
Gadea Acosta, com quem se casou mais tarde. Ela daria importante contribuição a
sua formação política. Também foi lá que conheceu o cubano Nico Lopez, um dos
líderes do ataque a Moncada, e que, no futuro, apresentaria Guevara a Fidel e
Raul Castro, no México.
Na Guatemala, o exército invasor norte-americano operava a
partir de Honduras, sob o comando da CIA – serviço secreto dos Estados Unidos –
e com a aprovação do presidente Dwight Eisenhower. Guevara ficou impressionado
com a facilidade com que um governo popular era esmagado. “A última democracia
revolucionária da América Latina – a de Jacobo Arbens – caiu como resultado da
fria e premeditada agressão conduzida pelos EUA [...]. Quando a invasão
norte-americana começou, tentei juntar um grupo de jovens como eu para
contra-atacar. Na Guatemala era necessário lutar e quase ninguém lutou. Era
necessário resistir e quase ninguém resistiu”, escreveu Guevara.
Durante a invasão, Che foi guarda voluntário durante o
blecaute, nos momentos em que a cidade estava sendo bombardeada. Ele também
pediu para ir para o front, mas não foi autorizado. As exortações de
resistência feitas por Guevara foram suficientes para colocar seu nome na lista
negra dos golpistas. Avisado pelo embaixador argentino de que sua vida e de sua
esposa estavam em perigo, eles se refugiam na embaixada.
As experiências na Guatemala foram importantes para a
construção de sua consciência política. Foi lá que Che se autodefine como
revolucionário e se convenceu da necessidade da luta armada, de tomar a
iniciativa contra o imperialismo. “Quando estava na Guatemala de Arbenz,
comecei a tomar nota e pensar sobre quais seriam as responsabilidades de um
médico revolucionário. Então, depois que vi a agressão norte-americana, entendi
uma coisa fundamental: para ser um médico revolucionário, você primeiro precisa
de uma revolução”, escreveu certa vez.
Guevara iria atrás dela, mas, inicialmente, precisaria sair
vivo da Guatemala. Recusou a oferta de um salvo-conduto para voltar para a
Argentina. Resolveu ir para o México, porque se tratava de um país mais
hospitaleiro para os refugiados políticos. Chegando lá com um amigo
guatemalteco, os dois viraram fotógrafos de rua para sobreviver. Depois de
algum tempo, Guevara foi trabalhar no setor de alergia do Hospital Geral da
Cidade do México, ao mesmo tempo que lecionava na Universidade Autônoma do
México. Um dia encontrou no hospital o cubano Nico Lopez, que o levou para
conhecer um compatriota recém-chegado à capital mexicana: Raul Castro.
Encontro com Fidel
Hilda Gadea relata em uma carta que Che e Raul se tornaram
amigos, passando a se encontrar todos os dias. Ela descreve Raul como “um
dedicado revolucionário, que era aberto, seguro de si, muito claro nas
exposições de suas ideias”. Em julho de 1955, Raul apresenta a Guevara seu
irmão mais velho: Fidel Castro. Foi amizade à primeira vista.
Che escreveu como se deu o primeiro encontro: “Encontrei
Fidel em uma dessas noites frias da Cidade do México. Lembro que nossa primeira
discussão foi sobre política internacional. Algumas horas mais tarde, bem de
madrugada, já tinha me decidido que participaria da expedição do Movimento 26
de Julho, que em breve pretendia iniciar uma revolução em Cuba. Depois de
minhas experiências pela América Latina e principalmente na Guatemala, era
necessário muito pouco para me convencer a me juntar a qualquer revolução
contra a tirania. Fidel causou boa impressão em mim. Ele estava absolutamente
certo de que iríamos para Cuba. Uma vez lá, nós lutaríamos e que, lutando,
venceríamos. Seu otimismo era contagiante. Tínhamos de agir e lutar para a
consolidação de nossa posição. Era necessário parar de hesitar e começar a luta
real. Para provar ao povo cubano que podia confiar em sua palavra, disse em um
de seus famosos discursos: ‘Em 1956, nós devemos ser homens livres ou
mártires.’ Este era o anúncio que, antes do fim do ano, ele desembarcaria em algum
lugar de Cuba no comando de uma força expedicionária.”
Treinamento e embarque
Guevara passou a se dedicar inteiramente à causa. Sob a
orientação de Alberto Bayo, um veterano da Guerra Civil Espanhola, de 63 anos,
cerca de 80 homens começaram um treinamento de combate em uma fazenda perto da
Cidade do México. Os exercícios de simulação consistiam em táticas de
guerrilha, operações de ataque e manobras para confundir os inimigos em
montanhas e na selva. O grupo suportava marchas de 15 horas por terrenos
difíceis, subindo morros, cruzando rios e abrindo caminho no mato, aprendendo e
aperfeiçoando os procedimentos de emboscada e de retirada rápida. Em pouco
tempo, Che – apelido dado pelos cubanos, que significa “irmão”, em guarani – se
tornaria o aprendiz mais dedicado de Bayo.
Nesse meio tempo, Fidel levantava fundos para conseguir
realizar a insurreição. Em julho de 1956, a fazenda foi descoberta e 20
pessoas, entre elas Fidel, Guevara e Bayo, foram presas. Libertados um mês
depois, tiveram de agilizar o embarque, pois temiam a pressão da polícia
mexicana. Planejaram começar a revolução em novembro de 1956.
Com os fundos arrecadados pelo Movimento 26 de Julho, foi
possível comprar o barco Granma – “vovó, em inglês –, que não era dos
melhores, armas, munições e suprimentos médicos. Guevara seria o médico da
expedição. Em 25 de novembro de 1956, o Granma levantou âncora do
porto de Tuxpan, levando a bordo, em seus 17,5 metros de extensão, 82 homens
que mudariam a história de Cuba e do mundo. A viagem foi conturbada. Vários
homens marearam durante o percurso e Guevara sofreu forte crise de asma.
O plano de Fidel era desembarcar, em 30 de novembro, perto
da cidade de Niquero, na província de Oriente, cerca de 650 quilômetros de
Havana. A chegada coincidiria com um levante em Santiago de Cuba, capital da
província, comandado pelo líder estudantil Frank País. O objetivo era juntar
forças com os rebeldes de Santiago, criando um movimento de duas pontas,
rural–urbano, para atrair a população para a causa revolucionária. O levante
eclodiu na data marcada, mas foi esmagado antes que Fidel e seus homens
chegassem à praia, em 2 de dezembro.
Depois de sete dias no mar, o exército revolucionário
desembarcou, mas não no local previsto onde estariam os suprimentos. Estavam a
16 quilômetros ao Sul, nos mangues da praia Colorado.
O Granma encalhou na areia e logo foi descoberto pela Guarda
Costeira. Os rebeldes precisaram nadar até a praia, perdendo vários
equipamentos importantes, e tiveram que andar horas pelo terreno pantanoso até
encontrar terra firme.
Guevara descreveu essa passagem em seu
diário Reminiscências da guerra revolucionária da seguinte forma:
“Nós encontramos terra firme, nos perdemos como sombras ou fantasmas, marchando
em resposta a algum obscuro impulso psíquico. Havíamos enfrentado sete dias de
constante fome e enfermidades durante a travessia do mar e nos defrontamos com
três dias ainda mais terríveis em terra. Exatamente dez dias depois de nossa
partida do México, nas primeiras horas do dia 5 de dezembro, após uma noite de
caminhada constantemente interrompida pela fadiga e por períodos de descanso,
encontramos a área paradoxalmente conhecida como Alegria de Pío.”
Os rebeldes de Fidel estavam sendo cercados pelo Exército
cubano nos canaviais de Alegria de Pío. Os aviões, que circulavam o local,
começaram a abrir fogo. Aconteceu uma correria desenfreada em busca de abrigo
seguro. Che atendia alguns companheiros que estavam com ferimentos leves,
quando um homem, querendo se refugiar, deixou cair seu carregador de munição.
Guevara estava com a sacola de medicamentos cheia, seria impossível carregar as
duas coisas por causa do peso. Foi aí que ele tomou a decisão de ser um
revolucionário: pegou a munição e largou os medicamentos para trás, correndo
para o meio do canavial.
Depois de muito andar para não serem capturados pela Guarda
Rural de Batista, foram contabilizadas as perdas. Dos 82 homens que
desembarcaram do Granma, apenas 17 sobreviveram. Nico Lopez havia morrido
e Che teve ferimentos leves no peito e no pescoço.
Destino: Sierra Maestra
Os rebeldes planejaram começar a revolução por Sierra
Maestra, uma alta cadeia montanhosa de Cuba. A região era habitada por
camponeses pobres e analfabetos, que lavravam pequenas roças para subsistência.
As terras pertenciam a latifundiários, que pegavam uma parte de seus lucros. Em
1956, era praticamente impossível que a tropa regular de Batista conseguisse
chegar ao local, pois era um lugar selvagem e não havia caminhos pela mata. Os
treinamentos no México seriam úteis para os revolucionários nessa hora.
Em janeiro de 1957, Fidel e seu exército, agora com 20
homens, decidiram realizar um ataque para mostrar que o Movimento 26 de Julho
estava vivo e ativo. Atacaram um pequeno posto da Guarda Rural na foz do rio La
Plata. Conseguem capturar algumas armas e munições. Em fevereiro, Herbert
Matthews, repórter do New York Times, foi à Sierra Maestra e fez uma longa
entrevista com Fidel. Quando a reportagem saiu no jornal, o movimento ganhou
notoriedade internacional, despertou simpatias e, principalmente, legitimidade.
O governo de Fulgêncio Batista foi forçado a reconhecer que havia um exército
rebelde em atividade dentro de Cuba.
Os revolucionários impressionavam as pessoas por seguirem um
novo código de conduta bélica. As tropas regulares de Batista torturavam e
executavam seus prisioneiros, além de cometer atrocidades contra civis. Já os
rebeldes de Sierra Maestra tinham como norma liberar todos os soldados
governamentais e jamais maltratar as pessoas da população local. Ao assumir princípios
humanistas, os revolucionários conquistaram a confiança dos camponeses. Eles se
mantinham firmes aos ensinamentos de José Martí, o herói nacional.
Ao longo de 1957, aumentava lentamente o número de rebeldes.
Nesse mesmo ano, Fidel concede a Che a patente de comandante, posto que até
então apenas ele próprio possuía, e o colocou na liderança da Segunda Coluna do
Exército Rebelde. Depois de quase um ano em Sierra Maestra, os revolucionários
perceberam que a semente estava germinando. Em toda parte de Cuba, surgiam
protestos contra o governo. As forças de Fidel, agora com cerca de 300
combatentes, estavam bem organizadas. Ele e Che montaram fábrica de munição,
escolas, clínicas, cozinhas coletivas, oficinas de trabalho, um jornal e uma
estação de rádio na região (a Rádio Rebelde). Os camponeses receberam terras e
se sentiam livres das arbitrariedades cometidas pela Guarda Rural.
Em abril de 1958, as forças anti-Batista no campo e nas
cidades convocaram uma greve geral imaginando que o ditador fosse renunciar,
mas o movimento fracassou. Em maio, o governo colocou 10 mil homens em Sierra
Maestra, apoiados por tanques e aviões. A ofensiva durou quase três meses,
porém o exército de Batista, desorganizado e não sabendo lutar nas montanhas,
limitou-se a bombardear vilas e povoados, matando dezenas de civis.
Batalha final
Em agosto, as tropas regulares se retiraram do campo de
batalha. Sierra Maestra estava nas mãos dos revolucionários. O
comandante-em-chefe agora planejava sua ofensiva final para tomar o controle
das grandes cidades. Fidel e Raul marcharam com 200 homens para Santiago de
Cuba, onde receberiam o reforço de outros 600 rebeldes para tentar ocupar a
cidade. Enquanto isso, Che Guevara, com 148 homens, atravessava a província de
Las Villas, em direção às montanhas Escambray e à cidade de Santa Clara. Camilo
Cienfuegos comandava uma coluna de 82 homens, movendo-se paralelamente às
forças de Che. O alvo dele era Havana.
Em dezembro, Guevara recebeu a missão de tomar toda a
província de Las Villas, cortando a ilha em duas partes. Em questão de dias,
com brilhantes manobras táticas, ele conquistou toda a província, exceto a
capital, Santa Clara. Defendida por 2 mil soldados, a cidade contava com apoio
aéreo. Guevara tinha apenas 200 homens. Os arredores de Santa Clara se renderam
rapidamente com as tropas governamentais evitando o combate, mas o controle do
centro da cidade custou três dias de luta e convencimento dos soldados
governistas. Com a tomada de Santa Clara em 31 de dezembro de 1958, não havia
mais nenhum obstáculo entre os rebeldes e Havana.
Santiago de Cuba continuava cercada pelas forças de Fidel e
Raul. O comandante militar da cidade telefonou para Batista dizendo que não
poderia manter a cidade por muito tempo. Sabendo que seu exército estava
aniquilado e nada mais poderia fazer, às 3 horas da madrugada do dia 1º de
janeiro de 1959, o ditador, juntamente com alguns comparsas, fugiu de avião
para a República Dominicana com medo de ser morto. Prudente, Fulgêncio Batista
já havia transferido para o exterior uma fortuna estima em US$ 800 milhões,
amealhada em anos de saque do Tesouro Nacional.
Quando Fidel soube da fuga de Batista, preparou-se para
marchar sobre Santiago. O comandante militar da cidade, no entanto, rendeu-se
sem oferecer resistência e Fidel entrou pacificamente na cidade. De Santiago,
Fidel irradiou um apelo ao povo de Havana, conclamando-o a evitar violência e
manter-se vigilante pela justiça. Prometeu que as forças rebeldes adentrariam
as cidades de Cuba para restabelecer a ordem e impedir a contra-revolução. “A
ditadura desmoronou”, disse ele, “mas isso não significa que a revolução tenha
triunfado. Revolução, sim! Golpe militar, não!”
Fidel pediu que Guevara e Cienfuegos seguissem para Havana.
Em 2 de janeiro de 1959, eles entraram na cidade e assumiram o controle das
instalações militares para evitar qualquer reação do Exército. No mesmo dia,
Fidel começou sua lendária travessia de 800 quilômetros por toda extensão de
Cuba, fazendo discursos e entusiasmando a multidão. Ele chegou em Havana em 8
de janeiro. A luta militar havia sido ganha. Agora, os revolucionários tinham
pela frente o igualmente espinhoso trabalho de criar uma nova sociedade.
Em suas reflexões sobre a vitória final dos rebeldes, Che
escreveu o seguinte: “A ditadura de Batista criara o necessário fermento, com
sua política de opressão das massas e manutenção de um regime de privilégios.
Privilégios para os servos do regime, para latifundiários parasitas e
comerciantes. Privilégios para os monopólios estrangeiros. Um vez que o
conflito começou, as medidas repressivas do governo e sua brutalidade, em vez
de diminuírem a resistência popular, fortaleceram-na. A desmoralização e a falta
de vergonha da casta militar facilitaram a tarefa. A rudeza das montanhas em
Oriente e a incapacidade tática do inimigo também fizeram sua parte. A guerra,
contudo, foi vencida pelo povo, por meio da ação de sua vanguarda armada (o
exército rebelde), cujas armas básicas eram seu moral e sua disciplina.”
Dever cumprido
Depois de seu trabalho como médico e comandante das tropas
rebeldes, Che foi proclamado “cidadão cubano de nascimento” e, no governo
revolucionário, assumiu o posto principal do Banco Nacional de Cuba. Em
seguida, foi para o Ministério da Indústria, onde desenvolveu uma política
econômica voltada à diversificação da agricultura e à industrialização a fim de
reduzir a dependência externa. Guevara também foi embaixador cubano, tendo
visitado vários países, inclusive o Brasil, em 1960, onde foi condecorado pelo
presidente Jânio Quadros, ansioso para demonstrar que o País tinha uma política
externa independente.
Che ficou no cargo até abril de 1965, quando saiu de Cuba
para levar a Revolução para outros países. Além disso, tinha suas dúvidas
quanto à excessiva aproximação cubana com os soviéticos, posição que deixou bem
clara nos encontros nos quais participou na época. Queria voltar a voar, não se
prender a uma revolução. Já tinha dito a Fidel, antes de entrar para o exército
rebelde cubano, que “vou retomar minha liberdade de revolucionário depois do
triunfo da Revolução Cubana”. Deixou Cuba e uma carta a Fidel, que dizia num
trecho o seguinte: “Sinto que cumpri a parte de meu dever que me atava à
Revolução Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, de teu
povo, que já é meu. Faço formal a renúncia de meus cargos na direção do
partido, de meu posto de ministro, de meu posto de comandante, de minha
condição de cubano... Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus
modestos esforços... Até a vitória, sempre. Pátria ou Morte!” Assim foi para o
Congo, onde tentou organizar uma guerrilha, que acabou sendo frustrada.
Retornou em segredo para Havana e dali partiu, em outubro de 1966, para as
selvas bolivianas, levando alguns guerrilheiros cubanos para encontrar outros
homens na Bolívia, de onde empreenderiam uma guerrilha similar à que saiu
vitoriosa em Cuba.
Mesmo com cerca de 50 homens em território boliviano, as
tropas de Che venceram algumas lutas contra os inimigos. Mas, isolados nas
montanhas da Bolívia, Che Guevara e seus companheiros foram denunciados ao
Exército boliviano. Em 8 de outubro de 1967, eles foram encurralados num
desfiladeiro e poucos escaparam. Che, ferido na perna, ficou preso na cidade de
La Higuera. O governo boliviano estava diante de um dilema: executar Guevara ou
levá-lo a julgamento. Esta última hipótese foi descartada imediatamente por
René Barrientos, presidente boliviano na época. O banco dos réus exporia La Paz
a uma campanha internacional por sua libertação.
Guevara foi interrogado por agentes da CIA e da inteligência
boliviana. Em seguida, foi destacado um oficial para executá-lo. O soldado
disparou várias vezes. Che estava morto.
Poucas horas depois, vários repórteres e fotógrafos chegaram
em La Higuera e foram levados para uma lavanderia onde o corpo de Guevara fora
colocado em exposição. A notícia se espalhou pelo mundo, mas, durante dias,
houve uma discussão internacional sobre a veracidade da morte do guerrilheiro.
Todas as especulações terminaram em 15 de outubro, quando Fidel Castro anunciou
que realmente Guevara tinha sido capturado e executado na Bolívia.
Em seu discurso, profundamente emocionado, Fidel pronunciou
o seguinte: “Raramente pode-se dizer de um homem com maior justiça e com maior
precisão o que vou falar sobre Che: ele foi um exemplo puro de virtudes
revolucionárias; ele foi um ser humano extraordinário; um homem de
extraordinária sensibilidade. Che era um homem de total integridade, um homem
de supremo senso de honra, de absoluta sinceridade. Um homem de hábitos
estoicos e espartanos, cuja conduta nenhuma mácula pode ser encontrada. Ele
constituía, dentro de várias virtudes, o que podemos chamar de o verdadeiro
modelo revolucionário.”
Os restos mortais de Guevara, depois de ficarem 30 anos
enterrados num cemitério clandestino na Bolívia, foram identificados e exumados
em julho de 1997. Atualmente, eles se encontram enterrados n Mausoléu Ernesto
Che Guevara, na cidade de Santa Clara, em Cuba.
Mesmo se não levarmos em conta seus sucessos e frustrações
durante toda sua vida, Ernesto Che Guevara, por si só, serviu como um símbolo
da dedicação revolucionária, cujas ações foram sempre consistentes e em
harmonia com seus ideais morais. Ele morreu lutando por esses ideais, mas
continua vivo nos corações de todos os povos solidários.